Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian – Património verde de todos nós

26 Janeiro 2018

“O jardim é algo que nunca termina. Ele é uma criação em permanente evolução”, disse Gonçalo Ribeiro Telles, em entrevista ao primeiro número do Horto do Campo Grande Magazine. Dezasseis anos depois, recuperamos as suas palavras como ponto de partida para a história de um espaço emblemático, ligado ao percurso do arquitecto paisagista e à vida de muitos portugueses. Acompanhe-nos nesta visita ao Jardim da Gulbenkian.

Por entre árvores e estátuas, um grupo de crianças brinca às escondidas. Junto ao lago, alguns amigos piquenicam animadamente, enquanto, no anfiteatro, há quem aproveite a hora de almoço para pôr a leitura em dia ou simplesmente descontrair. Uma família de patos passeia-se pelo relvado, seguida pelos olhos atentos de um bebé, ao colo da mãe. E pelos recantos abrigados, casais namoram e fazem promessas que o tempo irá testar.

Estamos no jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, um lugar de lazer, cultura e natureza, que é também um símbolo do movimento moderno em Portugal e uma referência para a arquitectura paisagista nacional. O espaço, tal como hoje o conhecemos, resultou do projecto dos arquitectos paisagistas António Viana Barreto e Gonçalo Ribeiro Telles, elaborado nos anos 60 do século XX e distinguido com o prémio Valmor, em 1975. O plano de reabilitação, cuja execução se iniciou em 2002 e se encontra actualmente na sua fase final, é a etapa mais recente do percurso deste jardim único. Mas a história do lugar e da sua vivência começa bem mais cedo.

De quinta de recreio a parque paisagista

Onde hoje fica a fundação Calouste Gulbenkian, em pleno centro de Lisboa, ficava, no século XVIII, a Quinta do Provedor dos Armazéns, nos limites da cidade. Propriedade de Fernando Larre, esta era uma quinta de recreio, com edifício, jardim e áreas de cultivo, como muitas que marcavam a transição entre o espaço urbano e o rural.

Mas a aquisição do espaço, em 1861, por José Maria Eugénio de Almeida, iria trazer profundas modificações ao lugar. Por ordem do empresário, detentor de uma das maiores fortunas do seu tempo, a quinta e o edifício setecentistas são substituídos por construções que reflectem o espírito progressista dos novos tempos. A um palácio, de estilo neoclássico, com cocheiras desenhadas pelo arquitecto cenógrafo Cinatti, acrescenta-se um enorme parque de carácter paisagista – o Parque de Santa Gertrudes – da autoria de Jacob Weiss, um jardineiro suíço formado na escola francesa. Nesta nova construção, a área é densamente arborizada com vegetação autóctone e exótica e confere-se ao espaço um carácter de lazer mais marcado, através da construção de um lago e de um quiosque que serve de palco a concertos.

Em 1883, a cedência do Parque de Santa Gertrudes para a instalação do Jardim Zoológico e de Aclimatação, marca o início de uma nova fase deste espaço, atribuindo-lhe uma componente social, que dura até hoje. Esta vivência mais aberta é reforçada em novas valências, primeiro enquanto velódromo e hipódromo, no início do século XX, e depois enquanto recinto da Feira Popular de Lisboa, já nos anos 40. O carácter paisagista do parque, esse permanece, transversal a todas as utilizações, até ao momento da aquisição do lugar pela fundação Calouste Gulbenkian, em 1957.

Lugar ao lazer e à cultura

A concretização do desejo do empresário Calouste Sarkis Gulbenkian de colocar a sua fortuna em benefício da humanidade, através de uma fundação internacional, com sede em Lisboa, exigia um novo projecto para o espaço.

Um primeiro relatório avalia o coberto arbóreo e propõe medidas de conservação e de regeneração para o coberto vegetal. E enquanto o projecto de arquitectura paisagista, da responsabilidade de Gonçalo Ribeiro Telles e António Viana Barreto, é desenvolvido, uma equipa de jardinagem assume trabalhos como a remoção de entulhos, o melhoramento das condições do solo e a manutenção da vegetação, segundo a estrutura existente. A organização e o carácter do velho parque foram, aliás, determinantes no que de novo se estava a construir. “O Parque de Santa Gertrudes, devidamente restaurado na pujança da sua vegetação, constituirá um dos espaços livres públicos de maior interesse em Lisboa; local privilegiado que certamente atrairá a população e proporcionará à Fundação possibilidades de maior divulgação das suas actividades culturais (…)”, pode ler-se no Programa das Instalações da Sede e do Museu.

Tendo como base uma geometria subtil e fazendo uso da paisagem nacional na sua dimensão ecológica e cultural, a proposta de Viana Barreto e Ribeiro Telles, apresenta um jardim único e novo, feito de espaços e ambientes que nos são familiares. Este é o jardim português moderno no auge da sua expressão.

Trabalhada em estreita colaboração com os arquitectos do complexo de edifícios da fundação, Alberto Pessoa, Pedro Cid e Ruy Athouguia, a concepção dos espaços verdes, ficou também marcada pela inovação das soluções, presente, por exemplo, na drenagem e aproveitamento das águas, no sistema construtivo do lago, na criação artificial do ecossistema húmido das suas margens, na plantação e fixação de árvores sobre laje e na utilização de terraços ajardinados.

Tempo de cuidar, de novo

De então para cá, o jardim evoluiu na sua fisionomia. As grandes áreas de relvado, em diálogo com jovens maciços de vegetação e algumas árvores provenientes ainda do velho parque, foram dando lugar a uma floresta frondosa e variada, onde pequenas clareiras e recantos surpreendentes se vão abrindo aos passos de quem a percorre. Denominado de amadurecimento, este é um processo feito a duas mãos, entre a Natureza e o Homem, onde à passagem do tempo se acrescentam um planeamento rigoroso e uma manutenção constante.

A necessidade de adequar o jardim a novas solicitações determinou uma nova intervenção de fundo, na viragem do século. O autor do projecto, Gonçalo Ribeiro Telles foi convidado a desenvolver um plano de reabilitação para o espaço.

A proposta passa pela manutenção do conceito original do jardim, controlando os pontos negativos do envelhecimento e tirando partido dos aspectos interessantes criados pelo natural crescimento da vegetação. Das obras já realizadas contam-se a limpeza e o desbaste de vegetação, a abertura de novos percursos e zonas de fruição e a consolidação da orla do jardim, recorrendo a espécies do seu património genético. A pavimentação de trilhos e a construção de uma zona de estadia, na margem sul do lago, constituem algumas das intervenções mais recentes, integradas na quarta e última fase de execução do projecto.

Tudo para que o jardim da Fundação Calouste Gulbenkian se continue a assumir como um verdadeiro oásis no centro da cidade de Lisboa, fazendo parte da vida de novas gerações de portugueses.

Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian

Data de execução: 1963-1969

Projecto de: Arquitectos Paisagistas Prof. Gonçalo Ribeiro Telles e António Viana Barreto

Área do jardim: 7 ha

Área do lago: 2.500 m2

Valências do jardim: Anfiteatro ao ar livre; visitas guiadas; oficinas várias; espectáculos; concertos

Equipa do Jardim: Eng.º Morgado Fonseca (Responsável Coordenação); Arq.º Paisagista

João Mateus (Coordenação Técnica)

António Graça (Chefe Equipa Jardineiros)

Manutenção: Cortes de prado e relvados

Retancha e sementeiras de espécies várias, desde herbáceas aos estratos arbustivos e arbóreos; podas selectivas de arbustos e árvores; arranjos e limpezas diárias dos espaços.

Fotografias © Pedro Bettencourt